‘É um filme gentil, em uma época nada gentil’, diz Selton Mello sobre novo longa
“Eu tratei como um grande sonho”, revela Selton Mello sobre todo o processo por trás de “O Filme da Minha Vida”, seu projeto mais pessoal, que chega aos cinemas do País nesta quinta-feira (3). Confira a entrevista completa
“Este filme é uma flor que ofereço ao espectador”, afirma Selton Mello, uma presença sempre doce, sensível e convidativa, sobre “O Filme da Minha Vida”, seu terceiro longa-metragem que estreia nesta quinta-feira (3) nos cinemas brasileiros.
Selton Mello nos sets de “O Filme da Minha Vida”
Foto: Divulgação
A tarefa de Selton não era fácil. “O Palhaço” (2011) aliou expectativas comerciais à demandas autorais e mostrou que o Brasil poderia fazer um cinema que muitos creem só ser possível na vizinha Argentina. Para Selton Mello, o afeto é a chave para tudo e todas as coisas. Pelo menos, no tocante ao seu cinema.
Nessa entrevista, ele abre o coração. Fala do viés terapêutico que encontrou no cinema – e ao qual dá seguimento neste que é seu filme mais pessoal, mas também o mais ambicioso – e revela que, na verdade, sempre se dirigiu. “Conto nos dedos de uma mão os diretores que de fato me dirigiram”.
Este é o seu terceiro longa. No primeiro não temos o Selton ator. No segundo, você é protagonista e no terceiro, um coadjuvante de peso na história. O que o diretor Selton está achando do ator Selton e como tá sendo o hibridismo dessa experiência?
Selton Mello: Você disse tudo – hibridismo. Está sendo muito saboroso experimentar todas as formas possíveis. Para mim e para o público, tenho certeza. Porque o exercício é este mesmo: provar coisas diferentes. Não gosto da ideia de mais do mesmo. O brilho no olho está justamente na possibilidade de mudança. Posso dizer algo duro, mas real: conto nos dedos de uma mão os diretores que de fato me dirigiram. Em mais de 30 filmes, geralmente, me virei sozinho. Essa é a realidade. Então dirigir e atuar, agora oficialmente, é algo que de certa forma fiz a vida toda.
Como foi o seu primeiro contato com o livro “Um Pai de Cinema”, do chileno Antonio Skármeta? Você teve claro para si que queria fazer um filme a partir dele ou foi uma ideia germinada com o tempo?
SM: Não havia lido o livro antes, ele chegou até mim pelas mãos do próprio Skármeta. Era um sonho antigo dele de ter este livro adaptado por um cineasta brasileiro. Depois que assistiu a “O Palhaço”, achou que eu tinha a sensibilidade que ele procurava. E mandou o livro para mim e para a produtora Vania Catani. Eu estava rascunhando ideias para meu próximo longa, encantado com o sucesso de “O Palhaço”, que foi lindo, e não consegui chegar a lugar algum. Quando li o livro tive o clique. Era a história que eu procurava, a história perfeita. É um roteiro adaptado, sim, mas também é muito pessoal. Porque a história do Tony Terranova é de todos, é do mundo. E a chance de poder fazer um filme gentil, em uma época nada gentil. Um filme para sonhadores, um filme que celebra o lado luminoso da vida. O público está se encantando fortemente pelo filme, sinto que eles saem agradecidos e comovidos por verem algo que faça bem para seus corações. Tenho viajado pelo Brasil divulgando o filme e percebo com muita alegria a comoção que causa nas pessoas.
Johnny Massaro e Bruna Linzmeyer em momento de descontração nos bastidores, “A a história do Tony Terranova é de todos, é do mundo. É um filme para sonhadores”
Foto: Divulgação
Este me parece seu filme mais ambicioso esteticamente. É um filme com linguagem e tempo de um cinema que não parece existir mais. É só impressão minha ou foi algo deliberado? Como foi o trabalho com o Walter Carvalho nesse sentido?
SM: Sim, com certeza. A luz da serra gaúcha é deslumbrante, ficamos fascinados. Walter Carvalho é um mestre e tanto. Ele não apenas sabe exatamente o que e como fazer, mas também carrega um olhar profundo sobre as coisas. Antes de tudo ele me perguntou por que eu queria contar essa história. E antes das cenas a gente conversava sobre as razões daqueles personagens, sobre as motivações, sobre tudo que está por trás da situação filmada e que vai impactar diretamente na tela. Foi muito especial rodar o filme com ele. Vivemos um reencontro mágico agora, 20 anos depois de “Lavoura Arcaica”, um filme que mudou nossas vidas. Mas importante ressaltar, o filme não é apenas belo esteticamente, trata-se, sobretudo, de um filme belo espiritualmente.
É o seu filme com mais closes. Existe, como autor, uma razão para isso?
SM: “Feliz Natal” tinha mais close que esse (risos). A ideia é me aproximar dos personagens, eles possuem a chave da trama. Orson Welles dizia que a câmera pode captar até o pensamento dos atores e eu concordo com ele. Um filme íntimo, que chega no público pela via que mais me interessa : a via afetiva.
“O Filme da Minha Vida” é uma linda história de amor e também é uma ode ao encanto do cinema – a cena em que Tony deixa o cinema pela primeira vez é de tirar o fôlego – quais foram as suas referências nesse sentido. O Tony é seu alter ego e você dedica o filme a seus pais. Depois de “O Palhaço”, o cinema continua um palco propício para essa terapia tão particular quanto coletiva?
SM: Sim! Sempre! É minha forma mais bonita de expressão, de sublimar minhas questões. Sou apaixonado por cinema e por tudo que envolve o cinema. E poder contar histórias de pessoas, com toda a simplicidade e complexidade que lhe são caras, é fantástico. Faço terapia há dez anos, pratico meditação transcendental também. Mas nada disso seria eficaz se não fosse o cinema. Tudo na minha vida eu dedico aos meus pais, agora apenas quis deixar isso mais claro cravando isso na tela, como uma tatuagem.
De alguma maneira seus filmes abordam a paternidade. Mas em relevos e densidade distintos. É algo proposital ou daqueles temas que se incutem inconscientemente nos projetos? Como você avalia isso?
SM: Somos os nossos pais. Carregamos nossos antepassados no DNA. Então, todas as relações com estas pessoas são fundamentais para compreendermos melhor o que se passa do lado de dentro. O porquê de certas atitudes, o vislumbre pelo que há por vir. Entender estas relações é o primeiro passo para o autoconhecimento. Gosto de colocar a família nos meus filmes, gosto desse protagonismo. Porque é assim na minha vida. E ao fazer um depoimento bem pessoal, consigo chegar na alma do público.
E aqui você dirige o Vincent Cassel. Ele já havia feito o “À Deriva”, mas seu filme, me parece, exige um Cassel muito mais minimalista. Como foi dirigi-lo?
SM: Super agradável, Cassel é um cara leve. Ele filmou pouco, é um personagem enorme, mítico no filme, mas concentrei toda a parte do pai no início das filmagens. Foi ótimo porque me ajudou a ditar o tom da coisa toda. Ele é brilhante. Como ator, é uma força da natureza, daqueles caras que quando você liga a câmera tudo acontece. Sem esforço, naturalmente. Quando apontei a câmera pra ele pela primeira vez entendi porque ele se tornou um astro mundial, tem uma potência grande ali, em cada frame.
A música nesse filme é tão importante. Ela ajuda na construção desse memorial de outra época e emula o tom esperançoso e doce do filme. Isso foi algo que existiu desde sempre ou surgiu na pós-produção?
SM: Sempre existiu. Cinema é uma arte que sintetiza todas as outras. Não consigo imaginar um filme meu sem música. E neste caso, um filme-memória, que mostra a época da transição do rádio pra TV, foi fundamental pensar na música no roteiro. Toco violão, guitarra, baixo, bateria, sou bem musical. Tem músicas que eu adoro e que dou um jeito de colocar no filme, como “I put a spell on you”, Nina Simone, neste caso específico. Plinio Profeta compôs lindamente toda a trilha original, e juntei um time pra pesquisar canções da época: Plinio, eu, Marcio Hashimoto, Gustavo Montenegro e Neto Ponte. Juntos, levantamos canções que embalam os sonhos dos espectadores.
Vincent Cassel “é uma força da natureza”
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E há esse romantismo com a Camélia. Esse é um detalhe tão bonito do teu filme. Como foi trabalhar esse subplot do Augusto e do bordel na outra cidade – ali tão perto do cinema?
SM: Este filme eu tratei como um grande sonho. Não me interesso em filmar a realidade como ela é. O que pretendo como cineasta, é alcançar uma representação emocional da realidade. Criar um mundo próprio, com suas leis, sua própria linguagem. Um filme parente dos sonhos bons.
Quais, do ponto de vista da direção, foram as diferenças fundamentais entre “O Filme da Minha Vida”, “O Palhaço” e “Feliz Natal” na tua avaliação?
SM: Putz, não sei dizer. Mas o que os une é o afeto. Pelo cinema, pelo ser humano, pela beleza que há no planeta e nos seus habitantes. Enaltecendo o lado bendito da vida. Este filme é uma flor que ofereço ao espectador. Espero que eles recebam com o mesmo carinho que tive ao cultivar esta flor.