“Versões de um Crime”te faz atuar na moralidade dos personagens, diz diretora
Indicada ao Oscar logo em seu 1º filme, Courtney Hunt recrutou Keanu Reeves e Renée Zellweger, que estava afastada há seis anos de Hollywood, para seu segundo longa. A cineasta falou sobre o filme que propõe à experiência de ser um jurado para o espectador
Keanu Reeves e Renée Zellweger são as estrelas de “Versões de um Crime”, de Courtney Hunt
Foto: Reprodução/Adoro Cinema
Estreia na próxima quinta-feira (9) nos cinemas brasileiros o filme “Versões de um Crime”, estrelado por Keanu Reeves e Renée Zellweger. Trata-se de um drama de tribunal que tem tudo para agradar quem gosta de um bom suspense e um bom drama com tintas jurídicas.
“Eu realmente quis focar no subtexto do que acontece em um júri. Isso é o que me interessa enquanto cineasta. O drama que transcorre sob o decoro”, disse em entrevista a diretora de “Versões de um Crime”, Courtney Hunt. Este é o segundo longa-metragem dela que foi indicada ao Oscar pelo roteiro de “Rio Congelado” (2008), sua estreia no cinema.
No filme, Keanu Reeves faz um advogado experiente que defende um rapaz acusado de matar o próprio pai. O personagem de Reeves é amigo da família esfacelada por tal tragédia.
Hunt é uma cineasta de mão cheia, que investiga seus personagens a fundo e não se incomoda de expor seus vícios e virtudes. Ela se prepara para filmar em julho seu terceiro longa (“The Hiker”), que diferentemente do filme que chega nesta semana aos cinemas brasileiros, ela também assina o roteiro. A seguir, os melhores momentos da entrevista de Courtney Hunt.
Courtney Hunt dirigiu o longa “Versões de um Crime”, mas estreou no cinema com o roteiro de “Rio Congelado” em 2008
Foto: Reprodução
Nós temos um filme de tribunal em que o julgamento parece menos importante à medida que o filme avança. De repente estamos diante de uma situação de “quem matou?”. Como diretora, como balancear esses dois aspectos tão opostos, mas complementares?
Courtney Hunt: Eu realmente quis focar no subtexto do que acontece em um júri. Isso é o que em interessa enquanto cineasta. O drama que transcorre sob o decoro. Quanto à natureza de “quem matou” inerente ao filme, eu pensei isso mais como um olhar à imperfeição da memória e como pensamos uma coisa e falamos outra. Eu acredito que saibamos a verdade em nossas mentes independentemente do que dissermos. Dessa maneira, os flashbacks são essenciais para revelar a verdade de cada personagem.
Nós ficamos com o ponto de vista do personagem de Keanu Reeves desde o início do filme e nós confiamos nele. Foi importante de uma perspectiva autoral essa construção narrativa?
CH: O personagem interpretado por Keanu Reeves, Richard Ramsey, é nosso ponto de entrada na história. Um advogado experiente que sabe que “todas as testemunhas mentem” e nos adverte logo de cara para não confiar em ninguém. Foi importante prover à audiência o ponto de vista dele para que ela soubesse que não deveria confiar em tudo que vesse e ouvisse.
Keanu Reeves em cena de Versões de um Crime
Foto: Divulgação
Quais foram as demandas criativas e narrativas por trás dos flashbacks? Por um certo tempo eles mais nos confundem do que ajudam a formar qualquer certeza. Era essa a ideia?
CH: A memória é tão imperfeita mesmo quando as pessoas estão contando a verdade e frequentemente sujeita a má-interpretação, então eu dei esses insights para a audiência formar sua própria interpretação. Eu realmente queria convidar os espectadores para dentro da história. Eu queria que a audiência ficasse cada vez mais desconfiada durante o filme. Essa é a sensação que se tem um júri por assassinato. As pessoas dão suas versões ensaiadas, apenas aqui a gente tem esse lampejo do que elas estão se lembrando, não como uma narrativa completa, mas como elas surgem na mente delas – em flashes, imagens e sons.
Uma coisa que me impressionou é que à parte os personagens de Keanu Reeves e Gugu Mbatha Raw, todos são apresentados ao nosso olhar como versões deles. Eles não são inteiros. Isso é algo que se ajusta à proposta do filme, mas é desafiante de trabalhar com os atores? De que modo?
CH: Os atores tiveram que se esforçar para entender onde eles estavam na história porque os flashbacks eram inegociáveis. Nós agendamos as gravações de maneira que isso ficasse mais claro para eles. O que era flashback e o que era presente. Nós gravamos tudo relacionado ao assassinato antes e ao julgamento depois.
Renée Zellweger não trabalhava há bastante tempo até filmar “Versões de um Crime”. Foi sua ideia escalá-la para o filme? Como foi tê-la no set?
CH: Eu quis Renée desde o começo e sequer considerei outra atriz para o papel. Como uma mulher sulista, eu senti que ela seria capaz de entender a difícil situação em que Loretta (a personagem defendida pela atriz) está e o que ela faz para reagir. Foi uma experiência excelente trabalhar com ela que se mostrou muito dedicada a compreender a personagem.
Keanu Reeves já interpretou um advogado em “O Advogado do Diabo”. Isso ajudou de alguma maneira? Você contava com o fato do público se recordar disso?
CH: Lá ele interpretava um advogado iniciante em um mundo em um universo muito mais hypado. Era algo bem diferente do que temos aqui. Keanu aceitou o papel de forma desprendida e se dedicou a entender o raciocínio de um advogado criminalista experiente. Nós acompanhamos um júri de assassinato para ver como advogado e júri se comportavam e ele se consultou como ouros vários advogados experimentados na área criminal. Eu não imaginei em momento algum que o público pudesse estabelecer essa comparação com “O Advogado do Diabo”.
Este filme é bem diferente de “Rio Congelado”, mas nós também temos aqui uma personagem feminina em circunstâncias desfavoráveis. Será uma constante em sua filmografia vermos personagens femininas encarando escolhas de vida ou morte?
CH: Eu gosto de representar personagens femininas da maneira mais verdadeira possível. Loretta é uma personagem falha como todos nós. Eu queria que a audiência visse o mundo a partir da realidade dela pelo menos por um momento. Pessoas tomam decisões equivocadas a todo o tempo motivadas por fraqueza, ignorância, medo ou raiva. Eu não resolvo as questões que o filme levanta para a audiência, eu apenas as apresento. Por mais desconfortáveis que sejam. “Versões de um Crime” pede para o espectador participar da moralidade de cada personagem.