Tenso e angustiante, “Animais Noturnos” é ofilme mais provocativo de 2016
Segundo longa de Tom Ford, indicado ao Globo de Ouro 2017 em três categorias, estreia no circuito nacional nesta quinta-feira (29)
Tom Ford deixou crítica e indústria boquiabertas com sua estreia como cineasta com “Direito de Amar” em 2009. Depois de sete anos, ele volta a mesmerizar com “Animais Noturnos”, adaptação assinada pelo próprio do livro “Tony & Susan”, de Austin Wright.
Seu segundo filme é totalmente diferente do primeiro. A ambição estética é simétrica, mas a ousadia narrativa e a profundidade dos temas aventados pelo romance de Wright representariam um desafio para qualquer cineasta veterano. O que torna o feito de Ford, justamente destacado entre os diretores nomeados ao Globo de Ouro 2017, ainda mais fascinante.
Amy Adams em cena de Animais Noturnos, que estreia nesta quinta-feira (29) nos cinemas brasileiros
Foto: Divulgação
Aqui temos duas tramas evoluindo em paralelo. Susan (Amy Adams), uma arte galerista desgostosa com seu casamento e com o rumo de sua vida, recebe o manuscrito de seu ex-marido Edward (Jake Gyllenhaal). Intitulado “Animais Noturnos”, o romance narra uma violenta e brutal história que envolve estupro, assassinato, caipiras do Texas e outras alegorias suficientemente tensas e sufocantes. O curioso é que Edward dedicou o livro a ela. Ford desvela as duas tramas em paralelo. A de Susan, que parece resignada com as constantes traições do marido falido (Armie Hammer), lendo e reagindo à obra de Edward e a história do livro, protagonizada por Tony, também interpretado por Gyllenhaal. Um alter ego deformado do próprio Edward.
A violência e a brutalidade, em oposição à fragilidade e a sensibilidade, são aventadas por Ford a todo momento. Da mise-en-scène aos diálogos, passando pelas obras de arte expostas no filme, Ford ecoa uma das linhas narrativas de seu filme com a fluidez visual e narrativa dos mestres. A história dentro da história é um suspense galopante, que aflige o público tanto quanto o choca; enquanto que a vida de Susan, e a de Edward, que surge nas memórias que invadem a ex-mulher enquanto ela devora seu livro, arredam um drama existencial robusto.
“Animais Noturnos” é um filme que fala do tempo do amor, dos conflitos íntimos ensejados por ele, mas também da tolerância que dispensamos a ele em contraposição a todos os outros anseios e desejos que temos em vida. “Quando você tem um amor, você precisa cuidar dele. Não pode tratá-lo assim”, desespera-se Edward em uma das memórias de Susan. Tom Ford adentra a seara da psicologia para ofertar o mais vil dos pesadelos dos filhos, aproximar-se perigosamente de virarem seus pais. Atenção especial à curta, porém impactante, participação de Laura Linney.
Jake Gyllenhaal está nada menos do que arrebatador em Animais Noturnos
Foto: Divulgação
Há diálogos do filme que merecem ser enquadrados. Logo no início, em uma cena de uma recepção que Susan e seu marido atendem, há um casal de amigos dela – uma mulher (Andrea Riseborough) muito bem casada com um gay (Michael Sheen). Ela explica para Susan o porquê de ter feito a escolha de ficar casada com um homem gay. Mais adiante, notando a tristeza da amiga, ele a aconselha a curtir o absurdo do mundo em que vivem. “É muito mais fácil do que viver no mundo real”. O diálogo, aparentemente banal e cênico, se revela de uma força atroz no fim propositalmente ambíguo da produção.
Ford volta a dominar de maneira superlativa desde a direção de atores, e além de Gyllenhaal e Adams, Michael Shannon e Aaron Taylor-Johnsson também dão show, às miudezas técnicas do fazer cinematográfico. “Animais Noturnos” é um soberbo de realização. É um cinema de inflexão, mas também de grande valor catártico. É lindo de ver e complexo de sentir. É uma obra de arte tão violenta, inusitada e irascível quanto sua primeira cena sugere.