‘Não sou feminista, sou feminina’, diz protagonista de “Vidas Partidas”
Em entrevista, produtora e protagonista do filme “Vidas Partidas” fala de sua atuação para promover temas femininos na arte e da importância de iluminar a discussão sobre violência doméstica. “É algo que acontece no mundo. Nem a fome é um problema do mundo todo”
Na semana em que a Lei Maria da Penha completa dez anos, um delicado filme nacional sobre violência doméstica chega aos cinemas. “Vidas Partidas” mostra com extrema crueza a rotina de uma relação abusiva. A produção é fruto de um esforço pessoal da produtora Naura Schneider, também protagonista do filme, para iluminar assuntos ligados ao feminino nas artes. “Eu sempre gostei de falar sobre temas femininos, de propor a igualdade da mulher. Não sou feminista. Eu sou uma feminina. Eu não quero rasgar sutiã; quero através da minha arte poder produzir coisas, projetos que possam levar alguma coisa, alguma informação para pessoas que precisam”, diz em entrevista exclusiva.
Naura Schneider em cena de “Vidas partidas”, que estreia nesta quinta-feira (4) nos cinemas
Foto: Divulgação
Naura vive Graça, casada com Raul (Domingos Montagner) e começa o filme aparentemente feliz nessa relação. Aos poucos, no entanto, testemunhamos uma tensão crescente e a escalada de agressões, que começam silenciosas e pontuais e culminam em um crime. “Qualquer um de nós poderia viver essa situação”, pontua ao exclamar a importância de um filme como “Vidas Partidas” ganhar, com o perdão do trocadilho, vida. Naura diz que a inspiração para o filme surgiu de outros trabalhos relacionados ao tema. Foi de uma cena de “Dias e Noites”, filme lançado por ela em 2008, que “Vidas Partidas” começou a ser germinado.
“Em uma das cenas, a mulher, grávida, apanhava do marido, e o set estava em prantos quando a gravação da cena acabou. Depois do lançamento, a cena repercutiu muito”, contextualiza. “Comecei a pesquisar sobre isso e descobri dados alarmantes. É uma situação que existe no mundo inteiro. Eu costumo dizer que há duas coisas que acontecem no mundo todo: a questão ambiental e a violência. Nem a fome é no mundo todo”.
O próximo passo de Naura foi o documentário “O Silêncio das Inocentes”, lançado em 2013 e premiado em festivais na América Latina. Este filme, que resultou de uma pesquisa extensa realizada ao longo de três anos, é o principal alicerce de “Vidas Partidas”. “A princípio eu tive vontade de fazer um longa sobre a vida da Maria da Penha. Mas aí, até mesmo por questões com ela, foi difícil tirar isso do papel”, explica Naura. “Apesar do nome fantasia da lei 11.340 ser o nome dela, a história dela eu acho que não contempla toda as mulheres que, pelos dados ou estatísticas, vão fazer as suas denúncias por agressões físicas. A Maria da Penha diz que nunca apanhou. Não sofria uma violência física e sim psicológica. Conversando com o Zé Carvalho, o roteirista, começamos a reunir essa pesquisa e saiu o ‘Vidas Partidas’ que é inspirado, sim, no caso dela e de muitas outras mulheres”.
Justamente por essa justiça histórica a ambientação do filme é na década de 80, época em que pouco se falava em violência doméstica e que “em briga de marido e mulher não se metia a colher”, lembra Naura do famoso dito popular. “Hoje existe um cuidado, uma preocupação social. Se você vê alguma coisa você vai lá e fala. Porque hoje se reage ao abuso enquanto sociedade”.
Mais do que fazer um filme sobre violência doméstica, a preocupação de Naura foi mostrar a dualidade “de mulheres fortes e vulneráveis ao mesmo tempo”. Sua Graça nasceu do confronto de todas as histórias que ouviu. “Uma das entrevistadas me disse que apanhou do marido por sete anos, mas quando ele partiu para cima dos filhos, ela foi para cima dele, rasgou a roupa dele e bateu nele. Então você vê que aquela mulher frágil de repente se transforma em uma leoa. Era a mesma mulher”, atesta. “Essa dualidade foi o que mais me interessou. Porque somos humanos e somos passíveis a isso”.