‘O Estranho que Nós Amamos’ redireciona carreira de Sofia Coppola

Primeira refilmagem da carreira da cineasta é, também, seu filme mais ambicioso estética e narrativamente. Porção feminista da trama é um dos prazeres propostos por um filme de alta voltagem emocional e sexual

O cinema de Sofia Coppola é extremamente feminino e polarizante. Se filmes como “As Virgens Suicidas” (2000) e “Encontros e Desencontros” (2003) lhe garantiram um lugar de destaque no coração da cinefilia, produções como “Um Lugar Qualquer” (2010) e “Bling Ring: A Gangue de Hollywood” (2013) despertaram o ceticismo de quem via na filha de Francis Ford um cinema fútil e autoindulgente.

Cena de

Cena de “O Estranho que Nós Amamos”, que estreia nos cinemas brasileiros nesta quinta-feira (10)

Foto: Divulgação

Nesse sentido, “O Estranho que Nós Amamos” (2017), refilmagem de um cult subterrâneo de Don Siegel estrelado por um ascendente Clint Eastwood em 1971, representa um avanço e tanto na carreira de Sofia Coppola como em toda a discussão que ela suscita. Sob muitos aspectos, trata-se de seu filme mais ambicioso estética e narrativamente. É, também , a primeira vez que ela adapta um material existente. O filme é originário do romance de Thomas Cullinan.

“O Estranho que Nós Amamos” de Sofia Coppola é um contraponto ao filme de Siegel. Se no filme original, a perspectiva de John McBurney prevalecia, aferindo ao filme um forte viés fetichista, aqui há prevalência do ponto de vista feminino. Troca-se os sinais da objetificação e com ela ganha força todo um comentário sociocultural.

Colin Farrell herda o papel que fora de Eastwood, como McBurney. Um soldado da união ferido e potencialmente desertor na guerra civil americana. Ele é encontrado na floresta pela doce Marie (Addison Riecke), que o leva para a pensão feminina controlada pela rígida senhora Martha (Nicole Kidman) na Virginia. Acolhido sob algumas reticências, o cabo é cuidado pelas moças que ainda discutem se devem ou não entrega-lo às forças confederadas. “Não seria a atitude cristã a se fazer”, lembra uma das moças.

Sofia Coppola orienta Kirsten Dunst nos bastidores de

Sofia habilmente se debruça sobre a forte erotização que a presença de um homem em um ambiente totalmente feminino enseja. Essa primeira parte do filme é um assombro de narrativa e sugestão. Farrell compõe um McBurney muito mais contido, menos cafajeste, mas ainda assim expansivo. Nicole Kidman sobeja na insinuação de uma sexualidade reprimida que aos poucos vai se recompondo. A excepcional Elle Fanning faz Alicia, a mais velha das meninas tuteladas pela senhora Martha e é justamente ela quem estabelece um ousado jogo de sedução com o cabo. É, no entanto, a frágil Edwina, interpretada com precisão inflexiva por Kirsten Dunst, quem chama a atenção do soldado.

Inversão de expectativas

Sofia consegue arranjar tempo para calibrar as expectativas e potenciais frustrações de todas as personagens femininas ao redor do cabo, que compreensivelmente se deleita com toda aquela atenção. O plot twist da trama, no entanto, ganha muito mais força com a abordagem que Coppola ostenta. De repente, nos flagramos assistindo a um conto de terror e o desespero de Farrell frente à placidez de Kidman assevera um dos grandes momentos do cinema de Coppola.

Nicole Kidman e o espetacular elenco feminino do filme

Nicole Kidman e o espetacular elenco feminino do filme

Foto: Divulgação

Não se trata de um filme feminista, como muitos alardearam após a exibição no festival de Cannes, mas de um filme que utiliza-se muito bem da percepção de feminismo vigente no mundo hoje para produzir impacto. Uma clara sinalização da expertise de Sofia Coppola na confecção de uma obra que tanto propõe um diálogo com a original, como tangencia resultados inéditos para um mundo que clama por eles.



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