Netflix afinaestratégia e tenta catequizar público jovem com trinca de séries
“13 Reasons Why”, “Girlboss” e “Dear White People”, todas lançadas em sequência, tentam fidelizar um público liberal, jovem e com muito a dizer
Todo mundo que se liga em cultura pop e responde positivamente ao poder de atração da Netflix já ouviu falar do algoritmo da empresa para fidelizar seu público e garantir felizes sessões de binge-watching. Nesse contexto, impressiona a eficácia da empresa de se conectar com o público jovem, definitivamente a maior e mais entusiasmada base da plataforma de streaming.
Lançamentos seguidos de séries para um mesmo público mostram estratégia do Netflix para consolidar sua audiência
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Estratégia para seguir firme
Essa eficácia pode ser resumida e muitíssimo bem dimensionada em três estreias ocorridas nos últimos 35 dias. “13 Reasons Why”, “Girlboss” e “Dear White People” são três adaptações – as duas primeiras de livros e a terceira de um filme indie – que chegam alinhadas a esse desejo da Netflix de cativar cada vez mais seu cliente jovem. São series que podem se comunicar com um público amplo e diversificado, mas calculadas para repercutir em um público mais jovem, mais liberal e mais conectado. Não é mera coincidência, de um ponto de vista pragmático, que as três séries tenham sido lançadas quase que sequencialmente entre o fim de março e o fim de abril.
“Stranger Things” foi um sucesso retumbante em 2016, mas o foi pelo forte viés nostálgico e pelo clima de matinê que conquistou mais os trintões do que os jovens. As séries fruto da parceria com a Marvel ostentam um hype danado, mas a Netflix sabe que para manter uma base longeva e autossustentável de fãs era preciso investir em um perfil mais volátil e difícil de ser seduzido. Essas séries representam o primeiro avanço formal da plataforma de streaming sobre esse público.
“13 Reasons Why”, produzida por Selena Gomez e Tom McCarthy, é adaptada do livro de Jay Asher publicado em 2007. O livrou encabeçou a lista de best-sellers do The New York Times e parecia sintetizar anseios contemporâneos com sua crônica algo depressiva sobre bullying e adolescência.
A série, que já teve sua segunda temporada confirmada, ensejou um debate muito forte, ainda que majoritariamente restrito ao universo das redes sociais, sobre suicídio e, na esteira desse debate, os limites de uma obra de arte. A série apresenta muitas incongruências narrativas, é arrastada, tem elenco irregular, entre ouros tantos problemas de ordem narrativa, mas cumpriu essencialmente seu pressuposto. Atingiu uma diversificada gama de jovens e passou a fazer parte do zeitgeist de seu público alvo. Um triunfo de qualquer ângulo que se observe.
Já “Girlboss” é adaptado do livro de Sophia Amoruso e, embora tenha estreado dias depois de “13 Reasons Why” foi o primeiro indício dado pela Netflix de onde e quem a empresa estava mirando. Os direitos do livro foram comprados antes mesmo da publicação da obra em 2014. Produzido por Charlize Theron, a série mostra como uma menina que não sabia exatamente o que queria fazer da vida vira uma empreendedora de sucesso e ergue um império da moda.
A Nasty Gal, entrou com pedido de falência em 2016, mas livro e série capturam a ultra sônica ascendência de Sophia, interpretada por Britt Robertson. Esse mero detalhe, ainda que providencial no grande escopo, é indiferente para os propósitos aqui desenvolvidos. Trata-se de uma proposta com alto grau de empatia para um público jovem e feminino. A série alimenta um cinismo visto em “Jovens Adultos”, filme protagonizado por Charlize Theron e escrito por Diablo Cody, mas o status quo daquele filme era bem diferente. Aqui a ideia é sublinhar o aspecto pop do empoderamento, não necessariamente alertar para a necessidade de amadurecimento da protagonista, em uma época em que muita gente por aí anda babando para encontrar programas com esse perfil. “Girlboss” é divertida e tem um humor afiado. Sobre todos os ângulos possíveis, um triunfo.
“Girlboss” foi outra aposta certeira da Netflix
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“Dear White People”, por seu turno, disparada a melhor das três produções, existe porque a Netflix está antenada em uma discussão que, fora as redes sociais, não consegue ganhar capilaridade na sociedade. O racismo ainda é uma ferida aberta e não precisamos nem mesmo invocar Trump e uma ala da direita radical que se sente empoderada para falar besteiras para ter consciência disso.
A série, baseada no filme de Justin Simien e desenvolvida pelo próprio, trata com inteligência, sarcasmo e compaixão um tema tão ruidoso quanto espinhoso. A América pós-racial é uma falácia e interiorizamos preconceitos com uma organicidade atroz. É a série em que o plano de expansão da Netflix encontra uma agenda propositiva e um produto genuinamente recomendável. No entanto, a despeito do comentário dos fãs hardcore da plataforma de streaming, a série ainda não pegou. Isso diz muito sobre nosso mundo e sobre a tal eficácia da estratégia de expansão e fidelização da Netflix.