Sofá Digital ajuda a consolidar cultura do on demand no Brasil
Empresa viabiliza acesso do público aos filmes em plataformas como NOW, Vivo Play, iTunes e Netflix. Diretor da empresa diz que janela de lançamento de produções no cinema deve ser repensada em breve
O hábito de consumir conteúdo audiovisual mudou. A transformação, ainda em curso, é a maior em pelo menos trinta anos. As empresas de streaming, como Netflix e Amazon, chegaram para mudar nossa relação com esse conteúdo e, enquanto garantem lugar de destaque no maior e mais prestigiado festival de cinema do mundo, ensejam mudanças paradigmáticas no setor. A Sofá Digital, empresa fundada por Fábio Lima em 2013, faz parte dessa reengenharia cultural e de consumo capitaneada por essas gigantes da tecnologia e entretenimento.
Juliette Binoche em cena de “A Espera”, um de seus últimos lançamentos no Brasil. O filme estreou nas plataformas digitais poucos dias depois de chegar aos cinemas
Foto: Divulgação
O sócio-fundador e diretor da Sofá Digital recorre a analogia que talvez só os mais velhos entendam para explicar o que a empresa provê. “É similar ao que a Videolar fez para o vídeo”, observa. “Mesmo as grandes distribuidoras e as distribuidoras independentes trabalhavam com ela. O agregador faz a ponte entre as distribuidoras e as plataformas e cumpre exigências técnicas e legais”.
É a Sofá Digital que disponibiliza os filmes nas plataformas on demand. A empresa, que atua globalmente, mas foca proeminentemente na América Latina, é agregador preferencial do iTunes, mas também viabiliza filmes para plataformas como NOW, Vivo Play, Google Play e Netflix. É justamente a ela que faz o meio de campo entre distribuidoras e plataformas, além de assegurar demandas e padrões de ordem técnicas. “A Sofá Digital otimiza essa relação entre a plataforma e as distribuidoras”, atesta Lima.
Muito espaço para crescer
Lima cita a compra da Time Warner pela AT&T como exemplo do excepcional potencial de crescimento que o setor apresenta. O negócio envolvendo as gigantes da tecnologia e o conglomerado de comunicação interessa, e muito, a quem vê o streaming como o futuro. “Se você tiver AT&T vai ter a HBO de graça”, observa sobre um dos trunfos da empresa para avançar no ondemand.
Cena da 7ª temporada de Game of Thrones. Quem for assinante da AT &T terá HBO de graça pela internet nos EUA
Foto: Divulgação
Apesar de reconhecer que o Brasil está atrasado em relação aos EUA quando a discussão é o streaming, o executivo se diz empolgado de ver “acontecendo” a transformação da qual começou a fazer parte lá atrás, no ano 2000, quando passou a trabalhar com streaming. “O mercado não atingiu o meeting point para o modelo sob demanda”, opina. “Educação, regulação, volume de conteúdo, modelo de negócio, infraestrutura, modelo linear de mídia e receita principal são pontos que ainda precisam evoluir”.
O presidente da Sofá Digital é só elogios para a Netflix, que “rompeu com diversos paradigmas e botou fogo no rabo de todo mundo para transformar o mercado”. É o que vemos acontecer com a Globo, por exemplo, que tenta fazer com que o Globo Play seja um player nessa história. Lima admite que este um momento entusiasmante para atuar neste mercado. “Estamos longe do auge do ponto de maturidade do mercado e isso inclui tudo. Como as empresas de mídia tradicional vão reagir?”
Novas opções para o cinema
Uma discussão cada vez mais encorpada no mundo do cinema é de como Netflix e Amazon podem estar minando o cinema independente. Isso porque altera não só a lógica do mercado, como oferece um potencial de audiência para esses filmes muito maior do que salas de cinemas selecionadas. O último vencedor do festival de Sundance, “I don´t Feel at Home in This World Anymore” já tinha sido vendido para a Netflix antes mesmo de debutar no festival e estreou mundialmente no site quatro semanas após o fim do festival.
Se esse cenário oferece segurança por um lado, por outro gera a preocupação se esse modelo seria capaz de prover um novo Quentin Tarantino, que há quase três décadas tomou Sundance de assalto com “Cães de Aluguel”. Ou mesmo figuras como Michael Moore, Todd Haynes e Paul Thomas Anderson. Fábio Lima não vê tantas razões para se preocupar. Ele enxerga toda essa movimentação como algo cíclico. “O exercício criativo do produtor independente segue livre e segue difícil”, observa. “Até porque eles compram o crème de la crème. É um filtro natural do mercado. Os filmes que têm mais potencial de mercado são vendidos mais caros”.
Os próprios estúdios já tiveram braços independentes como a Paramount Vantage e Warner Independent. Focus Pictures e Fox Searchlight ainda estão na ativa e Sony Pictures Classics, por exemplo, está cada vez mais fundida a Amazon. Esses estúdios costumam e costumavam operar em um esquema semelhante ao que as gigantes do streaming adotam atualmente.
Tony Ramos interpreta o maléfico Abel Zebu no seriado “Vade Retro”, que a Globo disponibiliza com antecedência em sua plataforma digital
Foto: Divulgação/TV Globo
“As plataformas digitais tendem a permitir que os filmes independentes viajem muito mais longe e tenham uma cauda mais longa do que teriam em DVD. A margem de rentabilidade dos filmes independentes hoje ela tende a ser maior do que com um filme vendendo muitos ingressos”, contemporiza o diretor da Sofá Digital.
Um dos principais trunfos da Sofá Digital é justamente o cinema independente, ou dito de arte, de tão difícil acesso no Brasil. Mensalmente opções do Irã, Europa e Ásia, além de preciosidades de festivais mundo afora, são disponibilizadas nas diferentes plataformas que trabalham com a Sofá.
Fábio Lima entende muito bem os rumos do mercado e vê o enfraquecimento do cinema independente na janela de cinema (jargão do meio para o momento que o filme ocupa as salas de cinema) como algo natural. “Isso permite que os filmes maiores tenham uma capilaridade maior nos cinemas. Você tem filme evento praticamente toda semana. Quando você faz um lançamento nacional você tem que gastar muito dinheiro em mídia nacional e precisa se assegurar do seu retorno”.
O diretor da Sofá Digital vê nessa “transformação social grandiosa” capitaneada pela Netflix o esvaziamento da atratividade de se ir ao cinema e classifica o momento atual como de transição. “O DVD já não gera mais dinheiro e o digital ainda não ocupa o espaço que o DVD já preencheu e talvez nem ocupe”. A transição abarca mídia, mercado, consumo e hábitos culturais e está só começando.