Bons personagens,ousadia narrativa e dilemas garantem atratividade de “Justiça”
Cenas de sexo e diálogos cortantes elevam potencial da nova minissérie da Globo que com um primeiro capítulo sem intervalos propõe um entretenimento adulto, pensante e diferenciado na TV brasileira
Elisa e Heitor: Justiça ou vingança?
Foto: Divulgação
Um homem e uma mulher fazem sexo com urgência logo na primeira cena de “Justiça”. No diálogo que se segue, Elisa (Débora Bloch) entrega a Heitor (Cássio Gabus Mendes) uma carta e pede que ele só a abra no dia seguinte. Ele vê graça da situação e a confronta. Eventualmente ela diz que no dia seguinte, o homem que matou sua filha sairá da prisão e que ela irá matá-lo. Surpreendido com a revelação, ele apela para o bom senso de Elisa, que resiste. “Ele deu cinco tiros na filha, na minha frente e só ficou preso sete anos”! “Mas é a lei, pode não ser justo, mas ele cumpriu a pena”, pondera Heitor. “Mas se a lei não existe para fazer justiça, existe para quê?”, retruca antes de desabar em lágrimas a mãe ainda em luto.
É uma primeira cena forte, muito bem dirigida e atuada e que estabelece o tom de “Justiça”, uma minissérie ousada na proposta, na forma e, principalmente, no debate que pretende deflagrar.
A cada dia, o programa apresentará um arco dramático diferente e independente, embora haja cruzamento eventual como este primeiro capítulo já sugeriu. As outras histórias serão protagonizadas por Cauã Reymond, um homem condenado por assistir a esposa paralisada a praticar eutanásia; Adriana Esteves, incriminada pelo vizinho, um policial truculento; e Jéssica Ellen, filha da empregada que por uma soma inesperada, mas provável, de fatores, acaba pagando sozinha por um crime praticado junto com a filha da patroa. Esses são os pontos de partida de quatro histórias. A vingança de Elisa ocupa as segundas-feiras.
Minissérie Justiça – primeiro capítulo
Foto: Divulgação
Trata-se de uma inovação no conceito de dramaturgia no Brasil. A série “In Treatment”, da HBO, e sua versão brasileira, “Em Terapia”, do GNT, já trabalharam com estruturas narrativas muito similares. De um arco narrativo por episódio na semana.
Inconsequência
“Candy”, hino de Iggy Pop, anuncia Isabela (Marina Ruy Barbosa), objeto da paixão de Vicente (Jesuita Barbosa), filho de um poderoso empresário do setor de transportes de Recife. A esta altura, a passionalidade dos personagens deste arco já está suficientemente estabelecida, mas vemos que Vicente e Isabela são como água e vinho. Ele, possessivo e implicante; ela, ciosa de sua liberdade e bastante sexualizada.
Logo de cara percebemos o estranhamento que se dá entre Vicente e Otto, um ex-namorado que Isabela mantém por perto. Quanto mais controle sobre Isabela Vicente quer exercer, mais distância dele ela se vê na necessidade de impor. Ainda que tudo isso seja muito sintomático do engenhoso texto de Manoela Dias, o desenho deste primeiro capítulo ressalta essa ópera trágica como saldo da inconsequência de ambos os lados.
Minissérie Justiça – primeiro capítulo
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Quando voltamos àquela conversa entre Heitor e Elisa, entendemos um pouco mais a dor daquela mulher. Seu impulso. Mas o aprovamos? É esta reflexão, mais complexa e multifacetada do que muitos supõem, que “Justiça” se incumbe de articular.
Este primeiro capítulo joga as expectativas lá no alto. Com estética arrojada, um padrão que a Globo já habituou sua audiência no horário, cenas de sexo muito bem adornadas e com atores devotados à verdade de seus personagens, “Justiça” promete fazer jus à propaganda de que é o grande programa da TV aberta no momento.